Uso da Força e a Aplicação das Leis
- Dr. Rafael Alvarenga

- há 2 dias
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O pensamento conservador sempre tratou o tema da força — e, por consequência, da aplicação das leis — com a sobriedade de quem sabe que a civilização é frágil e que a ordem, longe de ser natural, é um construto delicado. Para o conservador, a força estatal não é instrumento de engenharia moral, mas um mecanismo de contenção do caos. A força não cria a ordem: ela apenas a protege. Edmund Burke sintetizou isso magistralmente ao lembrar que “a sociedade é um contrato… entre os vivos, os mortos e os que ainda nascerão” (Burke, 1790, p. 96). A lei existe para preservar esse pacto intergeracional.

As doutrinas revolucionárias costumam enxergar a violência como motor da história; as doutrinas progressistas veem a lei como instrumento de reconstrução social. Já a tradição conservadora compreende que toda violência institucional é um mal, porém muitas vezes um mal necessário. O Estado detém o monopólio legítimo da força não por virtude, mas porque todas as alternativas históricas — feudos privados, milícias, vendetas — produziram mais sangue e menos justiça.
Tocqueville, um dos analistas mais lúcidos da democracia moderna, advertiu que mesmo em regimes livres “o perigo não está no uso da força, mas em seu uso caprichoso e imprevisível” (Tocqueville, 1840/2000, vol. II, p. 352). Para o conservador, essa percepção é central: a força deve ser limitada, previsível e canalizada por instituições estáveis, pois somente assim a liberdade se mantém viva.
Roger Scruton segue a mesma linha ao afirmar que “a autoridade não se sustenta pelo medo, mas pela confiança; e a confiança só floresce onde a força é exercida dentro de limites firmes e previsíveis” (Scruton, 2017, p. 54). A função do Estado, portanto, não é punir com exuberância, mas punir de modo firme, proporcional e não arbitrário.

Russell Kirk resume esse raciocínio ao afirmar que “a ordem é a primeira necessidade de toda sociedade civilizada” (Kirk, 1953, p. 7). Essa ordem, para ser legítima, exige um sistema legal capaz de responsabilizar o indivíduo sem destruir sua dignidade; capaz de coagir quando necessário, mas nunca de humilhar; firme o suficiente para conter o crime, mas limitado o bastante para impedir abusos.
A coerção legítima não é celebrada pelo conservador; ela é tolerada — e apenas na medida necessária para impedir a dissolução do mundo comum. Polícia e Judiciário não são instrumentos de vingança social, mas guardiões silenciosos da rotina que permite que famílias vivam, comércios funcionem e a sociedade respire sem medo.
Em síntese, o pensamento conservador vê a lei e a força como condições de possibilidade da liberdade. Não servem para reinventar a sociedade, mas para impedir que ela se desintegre. A prudência — desconfiada, moderada, porém resoluta — é o seu eixo. E é dessa prudência que nasce a defesa conservadora de um Estado forte, mas limitado; presente, mas não intrusivo; capaz de agir, mas impedido de abusar.
Para saber mais:
Burke, Edmund. Reflections on the Revolution in France. London: J. Dodsley, 1790. p. 96 da edição Liberty Fund (1999 reprint).
Kirk, Russell. The Conservative Mind: From Burke to Eliot. Chicago: Henry Regnery Company, 1953. p. 7.
Scruton, Roger. Conservatism: An Invitation to the Great Tradition. New York: All Points Books (Macmillan), 2017.
Tocqueville, Alexis de. Democracy in America. Edição utilizada: trad. Harvey Mansfield & Delba Winthrop. Chicago: University of Chicago Press, 2000 (2 vols). vol. II, p. 352.








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