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Como a Justiça Lida com o Infrator Psiquiátrico Reincidente?

Em tempos de crescente debate público sobre saúde mental, segurança e justiça, ganha relevância uma pergunta sensível: como a lei deve tratar uma pessoa com transtorno mental grave que comete crimes de forma repetida? É possível garantir direitos fundamentais sem colocar em risco a proteção da sociedade?

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A resposta pede cautela para não reduzir o paciente psiquiátrico a um estigma, nem permitir que a doença mental sirva de escudo para a impunidade.


A legislação brasileira reconhece que nem todo indivíduo é plenamente responsável por seus atos. Segundo o art. 26 do Código Penal, é isento de pena o agente que, no momento da infração, era incapaz de entender o caráter ilícito do ato por causa de doença mental. Nesses casos, o réu não é punido com prisão, mas pode receber uma medida de segurança — como internação em hospital de custódia ou tratamento ambulatorial — desde que sua periculosidade seja comprovada.


O problema aparece quando esse mesmo paciente, mesmo submetido à medida de segurança, volta a delinquir. Isso acontece com frequência maior do que se gostaria. Trata-se de uma recorrência criminal em pessoas com transtorno mental, fenômeno que desafia os limites éticos e jurídicos da política de saúde mental brasileira.


Nem todo crime cometido por um paciente com sofrimento psíquico deve ser tratado como caso de polícia. Mas repetir atos violentos ou contra o patrimônio, mesmo após internações ou tratamentos, configura mais do que uma crise isolada — pode representar um padrão de comportamento de risco social.

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É aqui que o Código de Processo Penal (arts. 149 a 171) permite ao juiz determinar exame de sanidade mental, converter o processo em incidente de insanidade e até determinar internações por tempo indeterminado, desde que com laudos técnicos atualizados. A cada 12 meses, deve haver reavaliação da periculosidade do paciente (art. 97, §1º do CP). Se persistirem os riscos, a internação pode ser renovada judicialmente.


A legislação brasileira não trata o paciente psiquiátrico reincidente como um “caso perdido”. Ao contrário, o Ministério da Saúde, por meio de portarias como a nº 3.088/2011, estabeleceu a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para oferecer cuidado contínuo, com foco na reinserção social.


Já a Portaria MS nº 336/2002 cria os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que acolhem pacientes em crise, inclusive com risco de agressividade. A internação involuntária é possível, mas precisa ser laudo-médico fundamentado e notificação ao Ministério Público em até 72 horas (Resolução CFM nº 2.056/2013).


A Constituição de 1988 garante tanto o direito à liberdade e à saúde (arts. 5º, 6º e 196) quanto a segurança pública como dever do Estado (art. 144). Não há hierarquia absoluta entre esses direitos. Portanto, quando a liberdade de um indivíduo com transtorno mental grave ameaça o bem-estar de terceiros, o Estado tem o dever de agir — mas sempre dentro dos limites da legalidade.


O STF e o STJ já decidiram que as medidas de segurança são instrumentos terapêuticos e preventivos, não penas disfarçadas. Mas também reconheceram que o poder público pode e deve restringir liberdades quando há risco evidente, desde que por ordem judicial fundamentada.


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Importante lembrar que a loucura não suspende, por si só, a cidadania de ninguém. No entanto, quando o transtorno mental compromete gravemente a capacidade de convivência e a responsabilidade sobre os próprios atos, o Judiciário pode limitar temporariamente o exercício de certos direitos civis — como a liberdade ambulatorial ou até a capacidade de responder por contratos — sempre com base em laudos periciais e revisão periódica.

A sociedade precisa encontrar formas de lidar com o infrator psiquiátrico que reincide em comportamentos violentos ou lesivos, sem recorrer à exclusão social nem ao populismo penal.


As leis brasileiras oferecem os instrumentos necessários: medidas de segurança, perícias obrigatórias, internações legais, rede de cuidado comunitário, controle judicial rigoroso. O que se exige é aplicação técnica e ética, com diálogo entre Justiça, Saúde e Sociedade.


E sobretudo, a clareza de que cuidar é também proteger — inclusive quando isso exige limites firmes, mas justos.


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