A Mente como Realidade Irredutível - parte 01
- Dr. Rafael Alvarenga

- 8 de out.
- 2 min de leitura
A questão “mente e corpo são dois ou um?” acompanha o pensamento humano desde os primórdios da filosofia. Para Platão, a alma (ψυχή, psyche) é imaterial e pré-existente ao corpo — nele habita como prisioneira (Fédon, 79a-84b). Já Aristóteles, embora menos dualista, define a alma como “ato do corpo vivo” (De Anima, II,1), conferindo-lhe a função de princípio vital e racional.

Essas visões clássicas estabeleceram a base de uma tradição que reconhece no ser humano algo mais do que biologia: uma substância espiritual que dá sentido à carne. O conservadorismo filosófico preserva essa distinção essencial entre corpo e mente — não por nostalgia, mas por coerência ontológica.
René Descartes, em suas Meditações Metafísicas (1641), expressa o fundamento dessa visão: cogito, ergo sum — penso, logo existo. O pensamento prova a existência da mente como algo que não se reduz à extensão material. Joseph Butler, em The Analogy of Religion (1736), reforça o mesmo princípio: a identidade pessoal não se apoia na continuidade do corpo, mas na unidade consciente, capaz de persistir além da dissolução física.
O homem, portanto, não é uma máquina animada, mas uma alma encarnada. É o espírito quem dá sentido aos impulsos cerebrais — não o contrário.
O século XX assistiu ao avanço das neurociências e, com ele, ao fortalecimento do fisicalismo — a ideia de que toda experiência humana é resultado da atividade neural. Francis Crick, um dos descobridores do DNA, sintetizou essa crença em The Astonishing Hypothesis (1994):
“Você, suas alegrias e tristezas, suas memórias e ambições, não passam do comportamento de um vasto conjunto de células nervosas e suas moléculas associadas.”

O reducionismo de Crick, porém, esbarra num obstáculo filosófico inevitável: ele pode descrever como o cérebro funciona, mas não por que há consciência. Nenhum mapeamento de neurônios explica a experiência de ser.
É o que David Chalmers, em The Conscious Mind (1996), chamou de “o problema difícil da consciência”: saber tudo sobre o cérebro não revela por que sentimos dor, alegria ou amor — o que os filósofos chamam de qualia.
O materialismo falha porque ignora o observador. Ele tenta explicar o espelho, mas esquece o reflexo.
A tradição conservadora resiste a essa redução. Ao contrário do pensamento progressista, que tenta dissolver o espírito na química, o conservador reconhece que o humano não se esgota no visível.O cérebro é o instrumento; a mente, o músico.
A segunda parte desta reflexão mostrará como pensadores conservadores modernos e até cientistas contemporâneos reconhecem — ainda que relutantemente — que a consciência transcende a matéria.
Conheça mais:
Aristóteles. De Anima. Trad. J.A. Smith. Oxford: Clarendon Press, 1931.
Butler, Joseph. The Analogy of Religion. London: Knapton, 1736.
Chalmers, David. The Conscious Mind: In Search of a Fundamental Theory. Oxford: OUP, 1996.
Crick, Francis. The Astonishing Hypothesis. New York: Scribner, 1994.
Descartes, René. Meditationes de Prima Philosophia. Paris, 1641.
Plato. Phaedo. Trad. G.M.A. Grube. Indianapolis: Hackett, 1977.








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