top of page
  • Branca Ícone Instagram

A China se libertou do ópio e o que o Mundo Aprendeu (Guerra do Ópio - parte 02)

Quando o século XX despontou, a China não era mais o Império do Meio — era o “Império Entorpecido”. De Cantão a Pequim, cada tragada de ópio lembrava a derrota, a perda de Hong Kong e a humilhação dos tratados desiguais. Em 1906, o imperador Guangxu tentou um plano de erradicação gradual, com metas de redução e punições severas. Mas a dependência já era estrutural: camponeses cultivavam papoulas, oficiais recebiam subornos, e o vício tornara-se uma engrenagem da economia rural.


ree

A verdadeira ruptura só veio com a Revolução de 1949. Mao Zedong, ao tomar o poder, transformou a luta contra o ópio em cruzada moral e sanitária. Em poucos anos foi aplicada uma política que misturava educação, repressão e reabilitação coletiva: campos de tratamento, confisco das plantações e execução pública de grandes traficantes. O resultado foi inédito: em 1956, o Partido Comunista Chinês anunciou oficialmente o fim do vício em massa. Não era apenas uma vitória policial — era uma reconstrução social. A mensagem era clara: nenhuma nação poderia ser soberana se sua mente coletiva estivesse dominada.


Setenta anos depois, a China transformou a antiga chaga em modelo de vigilância. O país mantém, desde 2008, a “Lei Antidrogas da República Popular da China”, que prevê até pena de morte para tráfico de heroína ou metanfetamina e investe fortemente em tecnologia de rastreamento e prevenção. Ao mesmo tempo, Pequim exporta o discurso da “pureza social” — e, ironicamente, enfrenta o dilema moderno dos opioides sintéticos e dos precursores químicos (como o fentanil), que são comprados pelo Ocidente.


Essa inversão histórica é simbólica: o país que foi vítima do tráfico imperial tornou-se fornecedor involuntário de substâncias que hoje assolam os Estados Unidos, onde o Centers for Disease Control (CDC) registrou em 2023 mais de 112 000 mortes por overdose, 68% delas ligadas ao fentanil. No Brasil, o Ministério da Justiça contabilizou em 2024 39,8 toneladas de cocaína apreendidas, um aumento de 22% em relação ao ano anterior. (MJSP, Relatório Nacional de Segurança Pública 2024).

ree

Há, porém, uma diferença fundamental entre o século XIX e o presente: hoje o combate ao narcotráfico é transnacional. Enquanto o velho império britânico lucrava com o vício chinês, as potências atuais reconhecem que o tráfico destrói a própria base do Estado. Programas como o UNODC Global SMART Initiative (2018–2024) e a Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD/OEA) concentram-se em inteligência financeira, cooperação policial e redução de demanda.


O que a história chinesa ensina é que a libertação das drogas não se faz apenas com canhões ou prisões, mas com propósito civilizatório. Mao Zedong sintetizou isso em 1952: “Nenhum povo pode ser livre enquanto for escravo de uma substância.” Hoje, quando o mundo enfrenta novas epidemias químicas, da cocaína à metanfetamina, ecoa a mesma lição que nasceu nos becos de Cantão: sem sobriedade coletiva, não há Soberania possível.


Para saber mais:

Cambridge University Press – The Opium Regime, 2000.

Comentários


bottom of page