Charlie Kirk e M’Naghten: ecos históricos quando a loucura mata
- Dr. Rafael Alvarenga

- 24 de set.
- 2 min de leitura
Nas últimas décadas, o Brasil vive uma escalada preocupante no número de casos de adoecimento mental, que em algumas situações terminam em crimes. Os dados mostram que atendimentos por surtos psicóticos quase dobraram entre 2020 e 2024, passando de pouco mais de 5 milhões para mais de 9 milhões de casos (levantamento do Ministério da Saúde divulgado pelo SBT News, 2025). Além disso, só nos seis primeiros meses de 2024, o SUS promoveu cerca de 13,9 milhões de atendimentos psicológicos, mostrando a pressão crescente sobre os serviços de saúde mental (CNN Brasil, 2024).

Um caso recente ilustra essa interseção entre saúde mental e violência: em 7 de setembro de 2023, em Cuiabá, uma pessoa conhecida como “Profeta”, cometeu um crime dentro de um supermercado. Em agosto de 2025, o júri reconheceu que ele estava em surto psicótico no momento do ato e determinou sua internação em hospital psiquiátrico por três anos - os detalhes podem ser acessados em: Defensoria Pública de MT, 2025.
No campo da personalidade, três traços merecem atenção. O perfil esquizoide descreve indivíduos com forte distanciamento social, pouco interesse em vínculos íntimos e afetividade restrita, o que dificulta a detecção precoce de sinais de adoecimento. A síndrome da superioridade moral caracteriza-se pela convicção de estar eticamente acima dos demais, levando a julgamentos rígidos e autojustificativos. Já o egocentrismo patológico traduz uma fixação extrema no próprio ponto de vista, acompanhada da incapacidade de considerar seriamente as perspectivas alheias.
Quando esses elementos se combinam, ainda que sem configurar um transtorno mental propriamente dito, podem sustentar a tentativa de impor ao mundo um universo particular, um “faz de conta” que o indivíduo deseja ver reconhecido como realidade por todos. Essa pressão para validar sua visão interna, distorcida, intensifica a frustração e pode levar a explosões violentas. É nesse contexto que se provavelmente estava a mente do assassino do orador e debatedor Charlie Kirk: indícios de sensação de superioridade e egocentrismo parecem ter se articulado na mente do autor do crime. Diferentemente do caso de Cuiabá, porém, não se trata de inimputabilidade — aqui houve planejamento, intenção e consciência do ato.

A história também oferece paralelos. Em 1843, Daniel M’Naghten, na Inglaterra, acreditava estar sendo perseguido por adversários políticos e assassinou Edward Drummond, secretário do Primeiro-Ministro. Seu julgamento se tornou um marco jurídico e psiquiátrico: pela primeira vez, reconheceu-se que uma pessoa podia cometer um crime sem plena consciência da ilicitude de seus atos, devido a um transtorno mental grave (RICP, 2021).
A comparação entre presente e passado revela avanços, mas também desafios persistentes. Hoje há diagnósticos mais precisos e instrumentos legais para reconhecer a inimputabilidade, mas faltam leitos, serviços especializados e políticas públicas consistentes. Igualmente existem mecanismos para identificar o criminoso covarde e agressivo que tenta se passar por paciente. O estigma social segue vivo, e a demora ou ausência de tratamento pode transformar sofrimento psíquico em tragédia. O caso de Cuiabá mostra que há progresso institucional, mas também evidencia que, quando o sistema falha, o preço pago pela sociedade é alto.








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